Você já beijou Judas?
Estive pensando sobre essa expressão: “o beijo de Judas.” Acho que, além de ser o beijo da traição, ele é também o beijo do adeus.
Ele está por toda parte, nos filmes, nas músicas, no cotidiano, nas relações. É um gesto tão doce que quase convence: é amor. Mesmo quando já está doendo.
É maluco, né? Na música “Judas”, da Lady Gaga, ela faz essa metáfora da duplicidade entre o sagrado e o profano. Só quem já se entregou a um Judas entende o gosto agridoce que fica: o azedo do limão disfarçado num mousse. Você engole sorrindo, mas o estômago revira depois.
“Tudo começa e termina nos seus lábios, amores burros, movimentos sábios…”
— Baco Exu do Blues, Tardes que Nunca Acabam (2018)
É exatamente isso: tudo sempre começa e termina nos lábios de Judas. As rosas viram cravos. O perfume que parecia atraente se revela amargo. E você só percebe depois.
Amor cego igual morcego.
No filme Separados pelo Casamento, tem esse retrato do beijo de Judas, que vai muito além do “tá difícil entre a gente”. É quase um gaslighting emocional, uma traição silenciosa que você aplica em si mesma enquanto ainda tenta salvar o que já acabou.
E tem também o beijo do término. Aquele último beijo que damos, sabendo que não há mais volta. O beijo que se dá mais por luto do que por amor. Uma despedida do que fomos para dar espaço ao que estamos tentando ser. Quem já viveu isso sabe: ele marca o fim, mesmo sem dizer nada.
Mas sabe o que é ainda mais fundo? O beijo de Judas que damos em nós mesmas.
Eu, por exemplo, me traio quando preciso dizer algo sério e me calo. Quando as palavras não fluem. Quando engulo tudo para não incomodar, para não ser demais. Isso também é um tipo de punhal, só que revestido de mel.
Não sei exatamente por que penso tanto nisso, mas sempre que reflito, essa imagem me leva para a atmosfera de A Noiva Cadáver. Beijar não é, necessariamente, amar. Às vezes, o beijo é só uma máscara, um teatro. Porque quando alguém te apunhala, a dor é óbvia. Mas o beijo? O beijo é o punhal que não te fere na hora. Ele se infiltra devagar.
Por isso é manipulação.
É fácil seguir em frente quando o peso não é seu. Mas… o que fazer quando o nó não está na garganta, e sim na alma? Quando nem dá pra chorar, porque a dor é mais profunda que as lágrimas alcançam?
O beijo de Judas não grita no peito. Ele sussurra. E você só escuta dias depois, quando a ausência já virou silêncio, e o silêncio virou cicatriz.
Às vezes me pergunto: será que, para o Judas, também foi isso tudo? Ou será que foi só mais uma mão solta, sem remorso, enquanto o outro se afogava?
Já beijei alguns Judas. Talvez, e digo isso com certo incômodo, já tenha dado alguns beijos de Judas também.
A questão é que ele não é visível no primeiro momento. Um beijo parece inofensivo. Mas, quando se revela um beijo de mágoa… aí sim, ele pesa. E como pesa.
com carinho: lulucore
música sugestão: céu azul